O BANHO
Ontem tive um programa diferente.
Fui ajudar a apagar um fogo que desde sábado "comeu" uma porrada de hectares da mais bonita serra que conheço neste país.
Tudo isto se passou numa zona perto de São Pedro do Sul, distrito de Viseu. Fui lá parar porque o pai da minha namorada tem uma casinha colada a um pinhal no meio do vasto nada de árvores que é aquela serra. A casa tinha sido estreada por mim e pela Joana no Verão passado e por isso é-me especial.
Sou um menino da cidade e nunca tendo visto fogo sério de perto senti aquilo de uma maneira diferente de quando vejo na televisão. Nas várias aldeias por onde andei vi de tudo. Do melhor ao pior. Momentos complicados trazem sempre ao de cima os extremos das pessoas.
No domingo vi a meio da noite umas 50 pessoas a cortar árvores a um ritmo alucinante para tentar cortar o fogo. Lutavam desesperadas para que não chegasse às suas casas. Todos unidos para se safarem. Não havia um único bombeiro, os quais andavam por outros lados a tentar salvar outras casas já sem dormirem à dois dias.
As caras das pessoas...
Já ontem, chegados às oito da manhã à serra de onde tinhamos saído pouco antes, ajudámos bombeiros e "locais" a salvar umas casas além da nossa. Os gajos eram muito poucos, estafados, e com material escasso mas com contra-fogos e esperança da boa conseguiram controlar a frente e nenhuma casa ardeu.
Depois, fiquei por lá eu, o Jaime e o Zé Pinho, os três para controlar possíveis reacendimentos nos pinhais por trás do Bodeal, a povoação de meia dúzia de casas mais perto da nossa. Apagámos umas tantas fogueiritas que teimavam em relançar o Fogo e a coisa foi-se safando. Pelo meio, e apesar de nunca conseguir ligar para ninguêm por falta de rede de telemóvel, toca-me aquela merda e era uma gaja do banco a perguntar se queria um cartão de crédito novo...
Deviam ser umas 3 da tarde e vejo que numa encosta à direita da casa o cabrão tinha re-acendido com uma força que não era controlável por dois (o Zé tinha ido buscar água) gajos com ramos de pinheiro verde nas mãos. O Jaime atirou-se para lá a correr serra abaixo e eu meio borrado fui atrás.
Uns 3 minutos depois tinham aparecido mais cinco tipos da aldeia do Fujaco. Lutávamos aos gritos e apercebíamo-nos que não dava. Aquela merda ia arder em direcção às casas e os bombeiros já se tinham pirado para outro lado.
De repente, vindo do nada, aparece um helicóptero e larga-nos em cima uma carga de água de todo o tamanho.
Foi um momento díficil de descrever. Um calor de morte e sete gajos que nunca antes se tinham visto, ensopados, às gargalhadas e com abraços pelo meio, a apagar um fogo no meio de uma serra no fim do mundo.
Depois de controlado desapareceram no mato. À parte do Jaime, não mais devo ver esses tipos na vida.
Acabei o dia a beber uma Sagres e a falar com uma senhora de 97 anos que ali tinha vivido desde sempre, nessa aldeia de xisto linda que é o Fujaco. Ela já tinha visto aquilo arder várias vezes e não estava nem um bocadinho preocupada.
Há mais para contar destes 3 dias de fogos mas agora estou em Viseu, doi-me o corpo (apesar de ter dormido 12 horas) e tenho o nariz e garganta lixados do fumo. Já não me sentia tão vivo desde que o meu filho nasceu.
4 Comments:
Áh Granda Briggite!!!
Muito bom!
Obrigada, o Fujaco merece, contudo, não posso deixar de reconhecer e louvar o seu esforço e o de várias outras pessoas do Fujaco e das redondezas que nos ajudaram desinteressadamente.
Bem haja, em meu nome e em nome do Fujaco.
Ana F. (Fujaco)
Adorei ler-te, Brigite!
Mostras uma grande sensibilidade e generosidade. Felizmente que ainda se vai encontrando alguém com alguma coisa de bom.
Um Abraço e Obrigada
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