Quem tem medo do Paredes de Coura?
Esse belo espaço verde muito convidativo para cáubois cansados de uma vida de buzinadelas e dióxido de carbono. Não há sitio mais bonito que aquele para equilibrar a euforia do rock, o desapego do jazz e a transalhada que moí os cérebros apagados.
Mas vamos ao que interessa, o cartaz era dos melhores, havia sempre algo a descobrir.
Jazz na relva
Nada de grandes surpresas, entre os delírios dos Cheese Cake Project e os Geegush, embora os últimos nos tivessem presenteado com alguns momentos bem agarrados de funk. No final os dois grupos juntaram-se naquilo a que chamaram de Space Ensemble, ou na versão do cáuboi, Space Cake, porque a bipolaridade era muita. Não foi nada de surpreendente, algumas malhas perdiam-se entre os desvarios do free jazz, mas sabe sempre bem perdermo-nos de vez em quando.
No dia a seguir o Jazz na relva ficou aquém das minhas expectativas de faroeste com o Miguel Martins trio. Nada selvagem, uma guitarra chata, porém com bons momentos no contrabaixo do Carlos Barreto.
Mas a grande revelação do jazz na relva foram mesmo os Filactera Redux. O trio animou as hostes cansadas de pó, subidas íngremes e muita, muita cerveja. Uma banda consistente, um teclista genial com um Morg e um baixo Fender Rhodes de duas oitavas, um baterista a ler pautas mas sem perder o norte. E o Mário delgado dispensa apresentações, com uma presença divertida em palco, à vontade, em contacto directo com o público, contando as histórias dos heróis de banda desenhada que inspiraram o projecto. Todos num ganda groove, Sim senhora! Às tantas vira-se para o público e diz “Agora estou farto de heróis bonzinhos!”
No palco principal os bateristas queriam cantar
!!! chamaram a atenção pela dança inusitada do vocalista que se assemelhava perigosamente a table dancing. Este rapaz, que segundo as apresentações do festival já foi vocalista de uma banda hardcore(!!), sublinhava a certa altura: Nós consideramo-nos uma banda de Dance Music.
Foi uma alegria ver marmanjos com tanto Rhythm, todos com ganas de martelar. A certa altura eram três às voltas na percussão e bateria. A bateria era apenas um bombo, uma tarola e um prato de choques, mas aguentava-se bem. O melhor momento porém, foi quando o baterista saltou para a frente e cantou, na opinião deste cáuboi, bem melhor que o vocalista.
Os Keiser Chiefs foram a surpresa da noite. Agarraram o público à primeira. O vocalista em euforia, torceu o pé à segunda ou terceira música, mas claro que ninguém percebeu logo. Sabíamos lá se aquele contorcer lento no palco era fruto da sua relação estreita com o rock?
Acabou a música e o rapaz lá embrulhou o tornozelo em tape encarnada e prosseguiu estoicamente durante mais um quarto de hora, vinte minutos a presentear-nos com um grande espectáculo. A certa altura, já o sofrimento era demasiado, o rapaz acaba o espectáculo agarrado ao bombo, desmontando a bateria.
Atitude, meus amigos, atitude.
Os Foo Fighters ofereceram-nos uma noite de espectáculo bem estruturado. O rapaz é comunicativo, a banda aguenta-se. Pessoalmente não estava com muita vontade de os ver, mas que eles sabem a lição, sabem. Entretanto, Dave Grohl salta para a bateria, o público puxa as raízes aos cabelos, o baterista agarra na guitarra e transforma-se em vocalista, contente da vida:
“Tenho o privilégio de cantar numa banda com o melhor baterista do mundo.”
No segundo dia a grande expectativa caía nos sinhores Queens of The Stone Age, mas antes deles pisaram o palco os Hot Hot Heat, com um vocalista cheio de tiques do Mick Jagger, os Arcade Fire com um estaminé enorme, dois violinistas, uma teclista-acordeonista-etc, com uns meninos que faziam umas performances de percussão, perseguindo-se à paulada na cabeça bem protegida com capacetes de moto, em coreografias inusitadas. Not my thing, mas já sei do que se trata.
The Roots olearam os ombros ao pessoal e puxaram pelo público ávido de Rock. Os Queens lá chegaram, todos bonitinhos de banho tomado com uma teclista cheia de pose mais o seu teclado inclinado para o público, coisa rara.
Mas estavam cheios de pressa.
Músicas aceleradas, afinal o Mark Lanegan não apareceu como a imprensa fez o favor de endrominar, e nem sequer tivemos direito a encore. Mas para quem as expectativas não estragaram o saborear do momento, foi um bom concerto com os clássicos, pão pão, queijo queijo,só que sem magia.
Os Pixies são os Pixies e mesmo quem não os conhece muito bem sentiu o bichinho de ir para o meio apreciar como se mantém viva a chama do rock.
O último dia foi um dia de enormes surpresas, o melhor. O cáuboi havia recuperado da ressaca de cerveja e meia desilusão com os good moods do Mário Delgado mas nem adivinhava o que se seguia. Juliette Lewis é um animal de palco cheia de reminiscências lascivas de Iggy pop mas nem banda, The Licks nem canções enchem o buraquinho mais pequenino do ouvido. A voz é sexy, rouca, com falhas bem temperadas, mas o resto deixa muito a desejar. Ao que parece a senhora gosta de ter músculos e fazê-los sentir, e para o comprovar lá se propôs a um crowd surfing no final do espectáculo.
O Vincent Gallo foi uma surpresa para muitos e um bálsamo para os restantes. Na sua calmaria, acompanhado por um guitarrista e uma baterista chamada Theresa, muito grávida, com uma voz de anjo que calava os mais descrentes, ao que parece também mulher do rapaz. Ele ainda convidou meninas para o seu hotel no Porto em tom de brincadeira e relembrou com espanto com as big bobbies da Teresa Villaverde que o deixaram estupefacto num dos melhores dias que o rapazito viveu nos anos oitenta em praias de Portugal. Muito bom. Volta sempre.
Nick Cave foi no meu entender a melhor surpresa deste festival. Os Bad Seeds são umas das melhores bandas que já vi ao vivo. Competentes, cheios de pausa, engravatado-desgraçado-boémios com uns abanares altamente dramáticos, um coro excepcional, duas baterias, dois teclados mais um piano vertical para o mestre Nick e um violinista que fazia maravilhas com o violino, ora com o arco, ora tocando-o como se de uma guitarra se tratasse, e no seu estamine estava também um bandolim(?)e qualquer coisa que não me lembro.. Alguém estabeleceu uma comparação com corcunda de Notredame ao rapaz que não parava de se curvar sobre o violino com uma fúria apaixonada, quase sempre de costas para o público. E o Nick lá cantava e dizia de sua justiça provocando o público com a sua voz grave e profunda em textos não menos densos.
Um set muito bem escolhido, repleto de momentos épicos, o melhor do festival.
Bem, vou manjar que tenho fome.
Sintam-se á vontade para discordar ou acrescentar pormenores.
Saudações do cáuboi.
1 Comments:
Grande cauboi, grande descrição, tive ,muita pena de não ter levado a minhaproeminente pança ao festival, pois tive compromissos. Gostei muito da descrição que fazes.
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