sábado, janeiro 28, 2006

NÃO HÁ FOME QUE NÃO DÊ EM FARTURA

Quinteto Tati no Maxime

Casa dos Milagres,
anunciava o bilhete. Cortinas vermelhas, mesas na penumbra, algumas reservadas. Um empregado de mesa de camisa branca e colete com tabuleiro redondo de metal na mão, parecia saído do ambiente de cabaré de um policial dos anos trinta. Ele já deve fazer parte da mobília, pelo modo como fala e trata as pessoas, com aquela banalidade no olhar.

Dez euros para um concerto que todos sabiam ser bom, afinal, poucos há que cantam em português e em ritmos quentes a ironia deste povo, com a capacidade de ser apolítico e certeiro ao mesmo tempo. Heranças de Chico há muitas, e ainda bem.
Mudou de nome o vocalista, diz que agora ficará conhecido como Aníbal. Mais uma ironia a juntar-se a outras no decorrer do astuto, envolvente, estupendo espectáculo. E a menção, a dedicação subtil e envenenada seria dirigida a alguém que era suposto não dizer o nome, mas disse-se, era o cavaco, pois então. Vai não vai, sarcasmo atrás de sarcasmo, eis que ele se referia ao agora senhor de todos os portugueses, dos que fazem perguntas difíceis e que não se importam com as respostas que levarão, com certeza, agora e sempre, as mesmas. Respostas avulso. Não eram estas as palavras, era esta a intenção, penso eu. Pois a música que lhe era dedicada era nem mais nem menos que a Gota de’Água de Chico Buarque de Holanda. E quem mais para fazer uma versão deste calibre que um senhor como o J.P. Simões, agora temporariamente Aníbal?

Foi um daqueles concertos para dizer daqui a uns anos: Eu estive lá, naquela noite mais gelada de Janeiro, depois dos canos rebentados, eu estive no serão soalheiro dos Quinteto Tati, debaixo das luzes vermelhas, no micro clima do Maxime.Um piano de meia cauda e um roland para o teclista, um guitarrista, um vocalista sem álcool, um trompetista gentilmente cedido por ele próprio, um contrabaixista, por vezes a tocar com o arco – coisa que me deixa logo rendida – e um baterista em constante cumplicidade com o guitarrista. Uma banda bem disposta, calma, muito singular consolõu o público, alegrou ou foi elixir para a pesada semana.

Duas partes, no intervalo alguém comentaria-
Dez euros e não há meninas?, em tom de brincadeira.
Não há meninas, que a garota agora é a música.

Eles voltaram para a segunda parte com as conhecidas músicas do álbum e não só.
E sabe bem voltar logo para casa, embalado no gingar da perna cruzada e com a memória dos olhares lascivo-doces das meninas sonhando com aquele Tejo, e dos meios sorrisos esboçados pelos rapazes, tudo muito prometedor pois, que é da noite que falamos.

No encore cantou-se de novo o Suor a Fantasia e o Tejo, e também a Gota d´Água, desta vez em carioca.

Todo o dia e toda a noite só
Suor e fantasia
Quem julga que é fácil experimente levitar sobre o Tejo
Turururu turururu turururu rururu
A vida é difícil, sempre foi.


Mas a música, meus caros, está cá para isso.

Esta noite soube a muito.
Já há algum tempo pedíamos uma sala de concertos na cidade, uma sala com capacidade para uma centenazita de pessoas ou talvez mais, uma sala para curar esta longa ressaca.
Ela existe em Lisboa, de quarta a sábado, entre as 22h30 e as 06h00. O Maxime terá música ao vivo, música para dançar, DJ´S, piano bar e os mais diversos artistas de variedades, anuncia o folheto.

A sala está pronta para receber os nossos produtos nacionais, como lhes tem chamado tão frequentemente, agora que está quentinha a lei da rádio, está quente uma casa a substituir o antigo Ritz, tão penosamente fechado. Se Deus escreve direito por linhas tortas, ali a escassos metros do que nos anos noventa foi uma bela sala de soalho e mezzanine para novas bandas, eis que surge o Maxime como uma nova página da música portuguesa.
Estejam atentos à programação, porque não é preciso muito para fazer de uma noite o bálsamo que cura a mágoa ou que aconchega o fim do dia, basta um espaço a meia luz, com boa música.

Dos Quinteto Tati fica ainda o embalo, para adormecer quente entre os lençóis.
E ficamos à espera de mais.

E como de boémios temos todos um pouco, principalmente nesta vaga de frio que já não permite noites de conversas interrompidas na calçada escura do bairro alto, para a semana há mais.
Melo D na sexta e Jorge Palma no sábado.


Dez euros vale muito a pena.
Boa Noite, vou dormir que se faz tarde.
Saudações

12 Comments:

At 7:05 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

que me desculpe o melo mas vou preferir as boas vibrações da feromona e dos tv rural na sexta feira.
E viva a praça da alergia!

 
At 4:20 da tarde, Blogger Diego Armés disse...

Ia fazer precisamente a mesma correcção. Sexta será um dia feromónix! Com Tv Rural. Andas a falhar, Carteiro...

 
At 7:18 da tarde, Blogger B disse...

Acho que o Carteiro só queria dar a entender a diversidade de concertos. De certeza que vai lá estar batido em Mafra quando o polidesportivo vier abaixo.

 
At 7:37 da tarde, Blogger Diego Armés disse...

Deus queira que não!... Não desejo mal ao carteiro... Espero que o polidesportivo esteja vazio quando vier abaixo.

 
At 7:42 da tarde, Blogger B disse...

Humor negro bem em dia.
É melhor eu estar calado.

 
At 1:46 da manhã, Blogger joana disse...

Eu, enaquanto suburbano, quase nunca vacilo na escolha de cardápio.
Mas se o polidesportivo vai estar vazio e se ainda por cima vem abaixo, já não sei se vou...
…embora esteja muito mais descansado, enquanto cáuboi melindrado que sou, do guitarrista não me querer mal.
Consta que já quase tivemos, assim de fininho, direito a Enio Morricone como banda sonora de um pré-duelo. Eu cá não dei por ele...
Mas é melhor também estar calado.

 
At 4:59 da tarde, Blogger Diego Armés disse...

Que me perdoem os clássicos, mas em banda sonora de caubóis não há como a do Neil Young no Dead Man. E eu com bandas sonoras e coboiadas também sou um gajo sensível.

Agora, não é que eu não te queira mal, Caubói. Mas as contas ajustam-se frente a frente. O mais lesto sai ileso, o mais lento cai de costas... "Causas naturais" é expressão que não consta do meu glossário da morte (alheia, entenda-se). Embora um pavilhão na cabeça não fosse muito muito muito natural...

 
At 7:09 da tarde, Blogger joana disse...

Ai...e eu que pensei que estavamos em rescaldo...
Isso do Dead Man já pede uma dramaturgia mais desenvolta. A minha costela cinéfila não pode logo dar de mão beijada os trunfos. Mas já que estás nessa guitarrista, proponho duelo cinematográfico, que é para o cauboi estar bem preparado.
E tu perderes, claro está.

 
At 7:54 da tarde, Blogger Diego Armés disse...

Eu sou um homem do espectáculo! Haja arte, autógrafos, holofotes e tãs histéricas, e contem comigo! Onde e a que horas?

 
At 12:46 da manhã, Blogger joana disse...

tãs histéricas não conheço. Ai o ego, o ego...

 
At 1:29 da tarde, Blogger Diego Armés disse...

Fãs. Fãs. É a censura... de certeza que foi a censura do blog que me trocou o F pelo T.

 
At 1:37 da tarde, Blogger joana disse...

Aqui nunca houve censura...nem vai haver. A não ser quando aparecem aqueles parvos americanos a tentar vender qualquer coisa...

 

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